Quem nunca ouviu a frase "ela/ele vai ficar com tudo o que é meu", ou algo parecido, quando conhece um casal que está em processo de separação ou divórcio? Apesar de ser uma reclamação frequente ou, então, uma desculpa para algum tipo de comportamento desleal, legalmente isso não é possível, desde que os envolvidos ajam corretamente, sem cometer fraude.
As regras dos regimes de bens entre os cônjuges estão no Código Civil brasileiro, que regulamenta o direito patrimonial (no título 2, subtítulo 1). O regime de comunhão parcial é o modelo geral, aplicado a todos os tipos de casal, seja os que têm relação estável oficializada, os casados ou mesmo os que vivem juntos sem ter assinado nenhum papel.
Por essa regra, a Justiça entende que os bens adquiridos após a união ou o casamento são do casal e, se houver separação, eles serão partilhados igualmente entre os dois, não importa quem contribuiu para sua compra. "A comunhão parcial de bens vale quando não é feito um contrato ou declaração de união estável para oficializar uma relação que já existe ou se outras regras não forem definidas por meio de um regime de partilha diferente", ensina Ale Boiani, CEO, gestora e fundadora do 360iGroup.
Ela é uma CFP (certified financial planner; em português, uma planejadora financeira certificada) que presta consultoria de investimentos e seguros para casais, especializada em divisão de bens e sucessão. Apesar disso, afirma que as decisões sobre regimes de comunhão de bens devem ser tratadas diretamente com advogados, pois ela atua apenas no mercado financeiro.
"Falo desse assunto como CFP, e o que vejo com os clientes é que as pessoas acham que as coisas são de um jeito, mas depois veem que não são bem assim. Geralmente, elas só vão buscar informações quando já estão com problemas", conta.
Por isso, Ale aconselha os casais, ao decidirem morar juntos, noivar e casar, a conversar antes sobre dinheiro e bens, por mais que pareça desconfortável. Se nada for definido, o que vai valer é o regime de comunhão parcial de bens.
Mesmo nas famílias em que a mulher não tem um emprego formal e o homem é o único provedor, quando o regime é de comunhão parcial de bens, ela vai ter direito, em caso de divórcio, à metade de todos os bens conquistados após a união.
Os outros regimes de partilha de bens previstos na legislação nacional são a comunhão universal e a separação total. O primeiro é raro na atualidade, diz a especialista. "É aquele do 'tudo é nosso', o que veio antes, o que cada um tem agora e o que vão adquirir no futuro. O patrimônio é universal e será dividido igualmente em caso de divórcio, mas quase ninguém mais faz essa opção hoje em dia. É encontrado em casamentos realizados há mais tempo", comenta.
Na separação total, ao contrário, não há união dos bens, cada um continua a acumular suas posses separadamente e, se houver separação, não existe nada a ser partilhado. Nesse caso, se a mulher não tiver rendimentos e não acumular bens, não terá direito a nenhuma parcela do patrimônio caso haja divórcio. Ela poderá receber uma pensão, por ser dependente do ex-marido, mas isso não tem a ver com o regime, diz a especialista.
"Dentro desses regimes tem algumas variáveis possíveis, que também podem ser interessantes de explorar com um advogado", afirma Ale. Ela cita como exemplo a inclusão nos contratos de regras de não comunicabilidade. "Eu deixaria previsto que, na hipótese de receber uma herança, ela não entraria para o patrimônio do casal e, assim, não contaria na divisão de bens, por não se tratar de uma conquista direta."
União estável
Para que um relacionamento seja definido como união estável, não é obrigatório fazer um contrato. Entretanto, o documento é indicado justamente para quem deseja definir um modelo de divisão de bens diferente daquele do regime de comunhão parcial, diz Ale Boiani.
Sem o contrato, tudo o que é adquirido e conquistado a partir do momento em que as duas pessoas começam a viver juntas é considerado na partilha. Portanto, se não houver manifestação contrária prévia, os bens do casal, caso haja separação, entram na comunhão parcial.
Quando é feito o contrato de união estável, é possível optar entre os três regimes de bens: comunhão parcial, comunhão universal ou separação total. "Mas é preciso avaliar bem. Às vezes, a pessoa acha que, se não fizer o contrato, ela está se protegendo, mas é o contrário", alerta a consultora.
Casos especiais: herança e dívidas
Para Ale, a partilha de bens ainda é um assunto em torno do qual ainda há muito desconhecimento, o que motiva o surgimento de falas equivocadas, como a do cônjuge "aproveitador". "Uma confusão frequente é acharem que a separação total de bens vale tanto em vida quanto na morte, para a herança. Isso não é verdade", explica.
A planejadora financeira afirma que, independentemente do regime de separação de bens que foi definido no casamento ou união estável, se o companheiro falecer, o cônjuge é herdeiro. "Ele tem direito ao patrimônio do casal e concorre com os filhos, todos são herdeiros legais. O regime de separação vale só em vida, mesmo que eles sejam casados com separação total de bens."
As dívidas são outra questão complicada na divisão de bens. Se o casal tiver feito um financiamento ou empréstimo e este ainda não tiver sido quitado, a regra vai ser a mesma do regime de divisão de bens escolhido. É por isso que, na hora de fechar um contrato de concessão de crédito com um banco, há perguntas sobre o estado civil e o regime de bens.
Se for o de comunhão universal, um cônjuge não consegue fazer nada sem a assinatura do outro. Na comunhão parcial, a assinatura também é obrigatória, porque a responsabilidade será compartilhada. Somente no regime de separação total de bens ela pode ser dispensada, porque o outro não tem nenhuma responsabilidade sobre o compromisso assumido pelo companheiro.
"O casal tem de estar ciente de que viver junto implica em um saber como é a vida financeira do outro. Isso não significa que precisa ser tudo misturado. Mas, a princípio, não deve haver segredos, porque eles geram grandes problemas, principalmente de confiança. É muito importante levar isso em consideração", finaliza a especialista.
(Por Mariana Botta / Fonte: R7)
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